quinta-feira, 11 de junho de 2009

Exemplo de Trabalho Prático - Michel Crozier - Le phénomène bureaucratique

Exemplo de Trabalho Prático (apenas uma parte a incluir no seu e-portfolio) realizado pelos 2 alunos ERASMUS a partir de um livro em francês -

Michel Crozier, Le phénomène bureaucratique, essai sur les tendances bureaucratiques des systèmes d'organisation modernes et sur leurs relations en France avec le système social et culturel (cap. 2 e 3).


Apenas inclui as recensões.



Identificação do texto:

Michel Crozier Le phénomène bureaucratique. [Essai sur les tendances bureaucratique des systèmes d'organisation modernes et sur leurs relations en France avec le système social et culturel], Paris, Editions du Seuil,1963, cap.2-3 (“L’agence comptable” e “Le monopole industriel”).

Género ou tipo de livro/texto:

O livro é a publicação dos resultados de dois estudos conduzidos pelo autor em duas empresas francesas e a consequente enunciação duma nova teoria relativa ao elemento poder no âmbito organizacional. Os capitulos por nós analisados referem o estudo conduzido sobre os trabalhadores duma agência contabilista e dum monopólio francês e as relações existentes entre eles.

Tema (resumo da ideia-mestra do texto):

É muito difícil compreender estes capítulos da obra do Crozier, sem ter em conta o resto do livro. De qualquer forma, podemos dizer que neles (assim como ao longo da publicação toda) ele procura demonstrar como mesmo em organizações em que as regras rígidas e burocráticas tentam eliminar quanto mais possível a intervenção humana na organização e, com isso, qualquer forma de discrecionalidade, vão surgir na mesma jogos de poder, compreensíveis só olhando a empresa como um conjunto de sistemas de acção concreta, devidos ao diferente controlo dos recursos organizacionais (e, sobretudo, das margens de incerteza), fazendo com que alguns indivíduos estejam sempre numa posição privilegiada e outros devam aceitar a situação.

A análise, conduzida nestes capítulos, do caso concreto do monopólio francês e da agência contabilista é o estudo prático que M. Crozier vai utilizar como base para a enunciação da sua teoria na continuação do livro.

Público-alvo:

A obra é sem dúvida um típico texto da Teoria das Organizações (aliás, tornar-se-á um dos mais importantes nesta disciplina), se bem que o estilo utilizado pelo autor e a sua estruturação o tornem acessível a um público bem maior.

Com “Le phénomène bureaucratique” Crozier insere-se definitivamente no debate em torno das questões organizacionais, que se tinha desenvolvido com as contribuições de Selznick e Gouldner, entre os outros, após as primeiras teorizações de Taylor e Mayo.

O livro do autor francês acabará, porém, por ser um texto-guia não apenas nas teorias sociologico-organizacionais mas, também, no panorama da ciência política, dada a grande importância que irá assumir a teoria pluralista do poder por ele desenvolvida.

Tese central:

M. Crozier, nestes capítulos assim como ao longo do livro, procura demonstrar como as teorias até ali surgidas (em primeiro lugar, as de Taylor e Mayo) não são bastantes para analisar uma organização. Sublinha como o homem “não é apenas um braço, como diz Taylor, nem apenas um coração, como dizia Mayo: ele é, em primeiro lugar, uma mente, um projecto, uma liberdade”[1]. Não se pode, pois, ignorar o elemento poder. Ele propõe assim uma leitura “política” do ambiente organizacional (daquí a importância da obra também para as ciências políticas), feito de interesses, aspirações e vontades diferentes, às vezes contrastantes, que originam jogos de poder.

ANÁLISE EFECTUADA PELOS ALUNOS

Impressões a quente:

Depois de ter acabado a leitura destes capítulos a primeira impressão foi de grande satisfação. Isto é, após termos estudado aprofundadamente, ao longo do nosso percurso universitário, as teorias crozierianas, ler directamente o que autor francês escreveu foi para nós muito interessante e até esclarecedor dalgumas dúvidas.

A análise dele pareceu-nos muito interessante, apesar de ter alguns problemas com o estilo do autor. Isto é, encontrámos às vezes (sobretudo relativamente às relações entre categorias profissionais e ao seu modelo de comportamento) uma certa confusão e a análise, mesmo que fosse bem-feita, parecia-nos explicada duma forma um pouco confusa, sem aquele estilo mais linear de obras posteriores[2].

Declaramo-nos, em principio, de acordo com as suas teorias, que parecem-nos verdadeiras, quer pelo que até agora estudámos, quer por experiências directas em organizações, mas a análise que iremos conduzir ao fim deste trabalho, irá melhor esclarecer as nossas ideias e convicções.

Cap. II, “A agência contabilista”. Construção e conteúdo.

O primeiro caso analisado por Michel Crozier no seu livro “O Fenómeno Burocrático” é aquele duma agência de contabilidade em Paris. A escolha caiu sobre esta empresa porque apresenta as características de rigidez, standardização e impersonalidade, pois pode ser um bom exemplo para estudar de maneira teórica o fenómeno burocrático e os problemas que o rodeiam. O esquema que irá seguir prevê uma análise da estrutura da organização e dos papeis dos actores organizativos para ver como se desenvolve o sistema hierárquico, o processo de tomada das decisões e a formação da rotina.

Os dados gerais da organização e a adaptação individual dos seus membros às próprias tarefas. A agência nacional é uma empresa estatal que responde directamente ao Ministério da Administração Pública. Emprega um alto número de funcionários, a grande maioria dos quais são mulheres, e embora procure oferecer um serviço e não alcançar um proveito, pelas tarefas que cumpre, consegue obter uns ganhos consideráveis que lhe dá um peso importante perante a tesouraria nacional. A importância financeira da agência subiu durante quinze anos como reflexo do crescimento económico do pais. Este desenvolvimento levou consigo alguns problemas de carácter organizacional: O número dos “efectivos” subiu muito rapidamente até chegar a uma situação de escassez de pessoal suficientemente qualificado; os “locais” tiveram que trabalhar sobre máquinas sujas, isso criou tensões entre a empresa e o sindicato respeito às condições higiénicas. As técnicas de trabalho são muito simples (não são precisas competências específicas) e imutáveis há trinta cinco anos, as comunicações são rápidas e o serviço oferecido ao cliente é eficiente. A estrutura é de tipo piramidal-militar. A unidade de base é a secção coordenada por um chefe de secção e dividida internamente com critério funcional. A agência inclui três divisões principais, mais uma que junta todas as funções auxiliares e mais uma que, teoricamente, seria a direcção da empresa. Na realidade esta ultima divisão cumpre só funções de coordenação porque a política financeira está gerida pelo Ministério através de directivas que limitam ao mínimo a autonomia dos dirigentes e a possibilidade deles continuarem a carreira profissional para além da agência.

Dando uma vista de olhos à repartição dos empregados nota-se que quase todas as mulheres, que como já falamos constituem a maioria deles, são empregadas de execução. Esta tarefa representa a alma da agência e a motivação para que ela exista (as outras limitam-se a controlá-la), pois 70% dos empregados lhe pertencem. Os outros 20% são controladores e só 10% ocupa-se das funções auxiliares. Só um quarto dos assalariados são de Paris porque há uma tendência entre os habitantes da capital em considerar o trabalho de funcionário público como inferior. Então estes lugares estão ocupados na maioria por filhos de camponeses do sul-oeste. Apesar da origem dos empregados o nível escolar é relativamente alto por imposição do Ministério. A rotação do pessoal é de 15% e a promoção é feita por concurso, os níveis mais altos são ocupados por homens com mais de 20 anos de antiguidade.

As unidades de trabalho são equipas de quatro empregados. As equipas (definidas unidades de produção) são autónomas, paralelas e independentes umas das outras. A ordem das operações é muito simples e prevê tarefas a cumprir com cadência diária. Pelo contrário a interdependência é um factor fundamental no interior da unidade. Teoricamente os membros da equipa teriam que ser aptos a trocar posições entre si mas, na realidade, há a tendência em guardar as posições. Com este sistema o papel dos controladores torna-se útil só se surgirem problemas, em casos normais eles limitam-se a fazer estudos estatísticos sobre a situação na agência. A repartição do trabalho entre as equipas é definida tendo em conta os clientes, a cada uma estão atribuídos um número de clientes, este método não tem em conta o facto das varias secções não terem a mesma capacidade de trabalho. Este sistema apresenta algumas vantagens e algumas desvantagens: A vantagem principal é do cargo de trabalho não depender da arbitrariedade dum superior nem duma cronometragem. As desvantagens são que todos os empregados estão inseridos numa equipa e não há pessoal de reserva para as emergências; cada grupo tem a plena responsabilidades sobre os seus clientes e não há possibilidade de diminuir o cargo duma equipa. A solução encontrada pela agência para resolver estes problemas foi de manter uma forte pressão sobre os empregados para eles produzirem mais, isso foi feito com estas modalidades: aumentar as repercussões, especialmente de natureza moral (como a necessidade de apresentar uma desculpa escrita à direcção), para quem falhar; tornar o controle durante as temporadas de crise ainda mais pesado (normalmente as crises são breves e a seguir duma comprida temporada de rotina). Esta atitude de tipo militar da direcção torna mais complicada a resolução de conflitos internos à empresa. A agência encontra-se assim envolvida num círculo vicioso: A pressão da hemorragia aumenta o mal humor dos empregados; o mal humor leva a uma alta rotação de pessoal; esta hemorragia humana implica uma descida da idade média dos trabalhadores; pelas características internas ao sistema uma idade média mais baixa torna o trabalho mais complicado; para manterem o mesmo nível de produtividade as chefias aumentam a pressão.

Olhando a situação estudada até aqui pode-se ver que a maioria dos problemas da agência são gerados por um baixo moral dos empregados e não por outras variáveis estruturais encontráveis com um método de pesquisa organizacional mais antigo ou de tipo Taylorístico. O problema da moral, porém, é muito complicado para ser estudado porque é preciso evitar cair em simplificações que não tomam em conta a heterogeneidade dos actores. Por isso o Crozier, antes de seguir no seu estudo do caso, tenta de enfrentar o problema da satisfação pessoal no trabalho. O quadro teórico que surge é dum campo extremamente subjectivo em que as recompensas dos vários actores não são só de natureza material. Voltando à agência de contabilidade nota-se como as tarefas que os empregados têm que cumprir são extremamente repetitivas e monótonas, isso causa alienação e a criação de empregados tipo “robots” com escassos estímulos para trabalharem. Os inquéritos confirmam esta hipótese pelo facto das pessoas entrevistadas não se demorarem muito em questões relativas ao trabalho mas mais sobre problemas pessoais e humanos.

Ao nível organizacional o maior problema que surgiu é aquele do cargo de trabalho. Se olharmos os níveis gerais de satisfação que os empregados têm em cumprir as próprias tarefas notamos que não há uma substancial diferença entre os resultados desta agência e aqueles recolhidos em outras parecidas, quer em França, quer em outros países. Muito mais interessante é estudar as respostas individuais que os entrevistados deram. Há quem diga que a satisfação geral que encontra no trabalho vem do facto dela ter uma posição de chefia e não pelas tarefas que cumpre; há quem, chegando duma difícil carreira escolar e duma família de baixa condição social, se declare satisfeita; e quem, sendo que cresceu numa família com alta disponibilidade económica e com um alto nível cultural, considere o trabalho extremamente aborrecido e sem estímulo nenhum.

Em geral pode-se concluir que a satisfação recebida do trabalho é directamente dependente do status social de origem, ou seja depende se haver acordo ou não entre as expectativas criadas pelo ambiente social em que o individuo cresceu e a realidade. Para vermos as coisas com esta perspectiva se torna útil dividir os entrevistados em dois grupos: a classe média ou pequeno burguês (2/3 dos empregados) e a classe operária ou popular(1/3). A classe popular em geral ama o próprio trabalho e toma satisfação enquanto a classe média não (aliás, só se com um papel de chefia). Com esta visão podem ser explicados 85% dos resultados (15% pode incluir pessoas com problemas pessoais e os “erros” da pesquisa sociológica devidos ao facto da sociologia não ser uma ciência exacta). Este tipo de visão encontra as suas raízes teóricas nas teorias sobre os recursos investidos e as recompensas recolhidas. Crozier propõe várias interpretações destes dados: a agência tem demasiado poucos papeis e demasiado diferentes entre eles; tem demasiado empregados de muito diferente origem social. Com estas interpretações conclui a primeira parte do seu estudo do caso (aquela sobre os dados gerais da organização) e começa a segunda sobre as relações interpessoais.

As relações interpessoais, aquelas entre os grupos e o problema da rotina. Apesar dos empregados terem atitudes positivas ou não perante o trabalho nota-se uma fraca participação na vida social da organização e vê-se também que não há solidariedade basicamente nenhuma entre os colegas alem dum geral contraste com os dirigentes e a organização formal da agência.

O pensamento comum sobre a agência é, geralmente, negativo. Os empregados mais antigos, contrariamente ao que se passa em outras instituições parecidas, são ainda mais severos. Nas entrevistas os empregados queixam-se não só de problemas organizacionais (entre os quais, como já vimos, o mais comum é a distribuição do cargo de trabalho), mas também das condições dos lugares em que trabalham. Estas faltas da agência não são vistas como reais problemas, mas como um símbolo do total desinteresse dos trabalhadores pela gerência. As queixas têm sempre como destino a direcção em geral e nunca uma pessoa com nome e apelido.

Nas relações interpessoais há uma desintegração do espírito de corpo que tradicionalmente existia entre os funcionários públicos, o que contribui para manter o moral dos empregados mais baixo. As relações de amizade entre colegas são quase inexistentes. Notando esta ausência de camaradagem Crozier tenta construir dois indicadores baseando-se nos dados recolhidos nos seus inquéritos: o índice de camaradagem que dá uma medida das relações de amizade dentro o ambiente de trabalho; o índice de sociabilidade que faz a mesma coisa para as relações fora do trabalho. Normalmente os resultados que se encontram são diferentes consoante à classe social de origem. Os populares têm níveis coerentes nos dois índices enquanto os da classe média costumam ter o índice de camaradagem baixo e o outro mais alto. As categorias de trabalhadores que têm um alto nível nos dois índices são as mesmas que tomam uma alta satisfação do trabalho, isso quer dizer que as duas questões estão estritamente ligadas, ou seja quem estiver menos isolado toma mais satisfação do trabalho. A estrutura formal da organização tem repercussões sobre o geral isolamento porque a falta de interdependência entre as várias unidades de trabalho não favorece a criação de relações entre os colegas, pois os controladores conseguem ter um mais alto nível no índice de camaradagem.

A solidariedade entre os colegas é presente só em forma de solidariedade negativa (nunca chega a propor modelos diferentes do existente) contra os dirigentes, definidos “hommes derrière leurs bureaux”, e o sindicato que é visto como necessário mas inútil. Os casos de greves são isolados a situações em que houve um greve ao nível nacional de todos os funcionários públicos, em que os empregados aproveitaram para protestarem contra a direcção. Os grevistas foram: chefes; pessoas pouco adaptadas ao próprio trabalho; pessoas com alto índice de camaradagem. Apesar disso os resultados obtidos foram nulos e esta foi só uma pequena chama pouco mais forte da solidariedade negativa mas sem efectivas repercussões.

Até aqui tentámos de enquadrar a situação dos empregados, podemos os definir como uma massa indiferenciada que não se importa com a organização e não participa à vida social dessa. Passando para o lado da direcção notamos que há um escasso interesse para os empregados e que eles situam a culpa do mal estar dos seus subordinados em outras causas não directamente ligáveis a eles. Analisamos melhor as relações da direcção com os seus subordinados: em primeiro lugar as relações “face à face” criam uma tensão nas duas partes por isso é evitada quanto mais possível; segundo, a direcção tem a tendência em rejeitar as responsabilidades para eventuais problemas humanos que os empregados tiverem. Os resultados desta atitude está bem clara nas queixas dos entrevistados: falta de cuidado; tendência em não tomar responsabilidade; incompetência e falta de capacidade na organização da secção. Na realidade as motivações para os entrevistados não ficarem satisfeitos foram sobretudo pormenores, isso quer dizer que estes problemas são os que surgem quando o ambiente de trabalho está cheio de tensão e o moral dos subordinados é baixo. As relações “face à face” são muito cordiais mas essa é só uma calma aparente como é facilmente demonstrável escutando os comentários que os empregados tocam entre eles quando estão fora dos ouvidos dos quadros superiores.

Para percebermos o enquadramento dos quadros subalternos não é suficiente olharmos só a carreira, as perspectivas de avanço e as aspirações deles mas também o papel formal e informal que têm. Normalmente os chefes de secção começam a carreira como inspectores adjuntos. A primeira promoção é mais ou menos automática depois de 12-15 anos de trabalho. Inspectores adjuntos: trabalho pouco interessante e com poucas possibilidades de se afirmar; bem protegidos de favoritismos e interferências dos quadros superiores. São geralmente os animadores informais do sindicato e são caracterizados por um forte activismo (“forte” na medida em que mediamente a participação é quase inexistente, pois não saiem do activismo negativo). A primeira promoção costuma ser aos 30-35 anos de idade e é nesta altura que começarão a sentir o peso da pressão e da concorrência dos colegas, mas ainda em medida muito leve. O facto desta promoção ser automática implica que os recém-promovidos inspectores não percam o próprio espírito combativo mesmo que agora estejam inseridos na hierarquia, pois a relação com a direcção continua ser de conflitualidade e, amiúde, se tornam só mais cínicos e menos idealistas. O degrau seguinte é aquele de chefe de secção em que, mais uma vez, a atitude geral basicamente não muda. A motivação para que não haja mudança é totalmente oposta à aquela precedente porque, enquanto antes era a automaticidade, agora é o facto das perspectivas de carreira futuras serem muitos complicadas. Para continuarem subir na escada hierárquica da agência os chefes de secção não precisam de competências no âmbito do trabalho mas de influências externas que vêm da cima, isso contribui a aumentar a conflitualidade com os chefes da organização. O comportamento da direcção contribue em renorçar este modelo. Eles recusam-se a fazer concessões aos subordinados e dão o poder decisional só aos chefes de divisão, que, apesar disso, do ponto de vista deles continuam ser pouco mais que simples empregados. Finalmente os chefes de secção não têm interesse nenhum em defender os empregados mas preferem manter relações cordiais . Também não tentam lhes impor a vontade da direcção sendo que não iriam ter recompensas pelos seus eventuais esforços. Com este modelo, então, a direcção não consegue usar a própria influência sobre os quadros subalternos. Os chefes de secção nunca criticam directamente os chefes de divisão, há entre eles a mesma moderação nas relações “face à face” do que entre empregados simples e quadros subalternos, mas guardam as críticas para o nível superior, ou seja o Ministério. De facto criam-se dois tipos de tensões por causa do duplo jogo dos quadros subalternos: Perante os subordinados atitude de simpatia mas sem fazer nada para os ajudar, geral cepticismo, presença latente duma organização de tipo militar que volta a aparecer em temporadas de crise; perante a direcção, procura de apoio para subir de grau na organização.

Conclusão: resumo e problema da rotina. Da descrição feita até aqui podemos evidenciar alguns pontos que podemos considerar como adquiridos: I) os vários membros não participam nos objectivos da organização mas ficam numa situação de hostilidade perante essa. II) ausência de participação e integração, empregados razoavelmente bem adaptados ao trabalho e em boas relações com o enquadramento directo, o mal estar é parte desta adaptação assim como a atitude à recriminação. III) empregados isolados e ausência de grupos informais sendo que os grupos de trabalho são pequenos e impostos da cima. Os grupos não são aqueles que em termos sociológicos se definem grupos primários mas são grupos abstractos que constituem as grandes categorias profissionais que pedem a igualdade de tratamento. Então, em termos parsonianos, são universais e não particulares. IV) as relações hierárquicas não criam conflitos mas as tensões saltam um degrau.

Apesar de tudo isso não ser suficiente já pode chegar para fazermos uma primeira síntese e para percebermos como se cristalizam as rotinas administrativas. O sistema da organização é marcado pela centralização das responsabilidades e pela ausência dum estado maior. Estes factores têm algumas consequências práticas: quem tomar as decisões não tem um conhecimento directo do terreno e das variáveis que se irão afectar; as informações necessárias para a intervenção terão que ser recolhidas pelos subordinados, mas eles têm interesse em mascarar a verdade. Resumindo, quem tiver as informações não tem poder decisional e quem tiver poder decisional não tem as informações. Dada a situação um dirigente x em frente a um problema y procurará uma regra impessoal ou um caso parecido anterior como apoio pela sua análise procurando depois a solução que, do ponto de vista dele, é a mais racional. Nesta situação um chefe de divisão poderá reagir em várias maneiras: agir sobre os seus subordinados para impor a regra descida de cima, encontrando assim não só a oposição deles mas também dos seus pares que o acusarão de estar a procurar o apoio da direcção em perspectiva de carreira; agir sobre a direcção para que os seus subordinados obtenham o que quiseram, criando deste jeito uma situação em que a organização não poderá funcionar; agir em maneira rotinária. A rotina torna-se assim como um escudo contra as dificuldades que podem surgir nas relações humanas e é usada desta maneira por qualquer actor organizativo. Os comportamentos rotinários não são os resultados dum processo de autoselecção dos empregados ou de personalidades passivas (e se os são é só em mínima parte), mas do processo de aprendizagem ao longo de toda a carreira no interno da agência e duma simples análise estratégica porque a rotina é a resposta mais racional a um sistema organizativo deste género. Examinando a questão dum ponto de vista mais prático podemos dizer que estes comportamentos se tornaram rotinários porque a direcção deixou que se criasse uma vala entre o modelo de acção prescrito e as exigências práticas. Então se surgir um problema, e não se quer pôr em discussão o inteiro modelo, se tornam precisas algumas regras impessoais que o modifiquem para que possa responder às exigências práticas. Mas, sendo que estes irão a tocar os privilégios de alguém num qualquer nível da pirâmide hierárquica, encontrarão resistência e não serão aplicadas como deveriam. Tudo isso favorece a permanência da centralização do poder. Do ponto de vista sociológico a questão que se põe é de como é possível que um sistema que bloqueia os quadros intermédios numa jaula constituida pela rotina consegue se desenvolver e tenha resistido à pressão do progresso. A resposta está nas relações “face à face” de dependência pessoal que permitiriam a utilização de tons autoritários. Se os chefes de secção tivessem mais autonomia e liberdade de acção deveriam tomar maiores responsabilidades com os superiores. Nesta situação os empregados simples estariam muito perto do lugar onde se tomam as decisões, isso daria-lhes uma maior possibilidade de tomar satisfação mas, ao mesmo tempo, uma maior dependência directa com a consequente ruptura da solidariedade com os quadros subordinados. Se o lugar da tomada das decisões passasse ao nível dos chefes de divisão quem ficaria na posição dos empregados seriam os chefes de secção que, por isso, se oporiam.

Da análise recém-acabada vê-se que o objectivo comum dos vários actores organizativos é de evitar a dependência directa e para o obter aceitam não participar e ter uma atitude de passividade. Esta questão está perfeitamente explicada nas palavras dum dos empregados com mais anos de antiguidade: “Je ne voudrais pas un autre emploi et (même si j’étais plus jeune) je ne voudrais pas changer davantage. J’aurais peur d’être à la merci d’un chef”.

Cap. III, “Le monopole industriel”. Construção e conteúdo:

A introdução. Este capítulo de “Le phénomène bureaucratique” coloca-se, na estrutura do livro, logo a seguir do sobre a agência de contabilidade. Começa com uma breve introdução caracterizada pela descrição geral do monopólio, com as suas características mais importantes, em primeiro lugar a falta de pressões externas, devida ao regime mesmo de monopólio e ao facto de a empresa não ser responsável pela venda do produto. A seguir, encontramos a declaração dos seus objectivos e umas especificações metodológicas: o estudo foi feito, explica Crozier, de forma intensiva sobre três fábricas da região de Paris e, em seguida, de forma mais superficial sobre trinta outras situadas em todo o território francês, isto porque as fábricas da região parisiense não podem ser consideradas representativas a causa da “proximité de la direction générale et des caractères particuliers de la main d’oeuvre parisienne”[3].

Desde logo Crozier explica como a sua atenção será centrada na análise das regras, das relações hierárquicas formais, das relações entre categorias profissionais e da adaptação do pessoal ao papel e à situação. O meio para conduzir esta análise é uma combinação de entrevistas e observação, cujos resultados vêm referidos em três subcapítulos. Vamos vê-los nos pormenores.

O sistema social da oficina, as regras operárias e as relações de autoridade. Neste subcapítulo, Crozier começa analisando alguns dados gerais relativamente à estrutura do monopólio (número de fábricas, número de operários, etc.), continuando com a das seis categorias de empregados existentes, ou seja, os operários de produção (cujo lugar de trabalho é segurado por lei e caracterizado por igualdade de salários), os de manutenção, os contramestres (responsáveis pelo deplacement quotidiano, ou seja, pela decisão de como empregar os vários operários no caso da falta de alguém), os membros do grupo administrativo, os engenheiros técnicos e os da direcção: directores e directores adjuntos (geralmente os mais novos, há pouco licenciados por uma escola , caracterizados por um papel de administradores-diplomatas).

Sucessivamente, a análise de Crozier vai centrar-se sobre os dados técnico-organizacionais e as reacções dos operários às pressões que os caracterizam: carga de trabalho, regulamento de antiguidade e mecanização. Relativamente à carga de trabalho, esta resulta de acordos basicamente informais, mas Crozier não consegue encontrar uma linha de tendência geral no pensamento dos operários das várias fábricas, sobretudo relativamente ao que eles pensam da capacidade dos seus colegas cumprirem a tarefa pedida. A hipótese formulada pelo autor é que isto seja devido à diferente grau de liberdade na aplicação das regras que nos vários sistemas os operários conseguiram obter.

Nas perguntas relativas aos regulamentos de antiguidade já a situação muda: nas três fábricas Crozier viu uma certa homogeneidade de ideias: mais uma pessoa é antiga, mais fica ligada a e aprecia o regulamento de antiguidade, mais é contrária à admitir que este regulamento desfavoreça os novos. Os problemas sobre o assunto são devidos apenas à aplicação dos mesmos princípios, com motivações que mudam de fábrica para fábrica: alguns acham-na culpa da chefia, outros do sindicato, etc.

Quanto à mecanização, apesar de ser bastante fraca, o autor francês explica como, respondendo a cinco perguntas feitas, os operários de oficina tenham respondido que não os ajuda (outras entrevistas a operários franceses tinham tido resultados bem diferentes) e, mais, como esta tendência seja directamente proporcional ao grau de antiguidade: isto demonstraria, para Crozier, o carácter “apreendido” desta atitude, ou seja, o facto de os operários serem contrários à mecanização é achado um elemento cultural da organização, cuja explicação fica, para Crozier, na aversão à mudança, típica dum sistema de trabalho estável como aquele tido em conta. Este aspecto é parte dum sistema em que as ideias dominantes vêm logo interiorizadas pelos novos através da participação na vida do grupo, formando uma subcultura operária com objectivos contrastantes com os da organização e da direcção, fundados na idealização do passado e numa visão pessimista do presente.

A última parte deste primeiro subcapítulo é, como já foi referido, em torno do sistema da autoridade formal. A primeira consideração que Crozier leva é a concentração de poderes na pessoa do director, adicionando, porém, o facto de o director ficar preso pelo sistema de regras burocráticas da administração e, também pelo facto de ficar longe das oficinas, a sua falta de influência directa sobre o pessoal. A seguir tem lugar a análise das reacções dos submetidos à esta situação e aqui Crozier considera quatro dimensões qualificantes.

Em primeiro lugar, o problema da pouca comunicação do director para os operários (realiza-se apenas com o director adjunto da terceira fábrica analisada), sinal, para os operários mesmos, de falta de integração.

Em segundo lugar, os operários entrevistados falam do seu director sempre em termos da personalidade dele e só raramente cerca da sua habilidade profissional, o que leva o Crozier à ideia (exprimida em conclusão de capítulo) que os operários vejam o director antes tudo como um juiz dos vários interesses internos e, muitas vezes, contrastantes dos empregados, o que explicaria esta maior atenção às suas qualidades pessoais.

A seguir, vem analisada a presença física do director, muito frequentemente baixa, que o torna alheio à vida de oficina.

Finalmente, reportando o resultado de mais entrevistas a empregados de diferentes níveis, Crozier analisa como a ideia da personagem mais importante e mais influente na vida da organização e a visão mesma do director mudem dependendo com o papel tido na empresa pela pessoa entrevistada.

O sistema social de oficina, as relações entre categorias profissionais e os comportamentos típicos de cada uma delas. Esta segunda parte do capítulo, tendo como objecto a análise das diferentes categorias profissionais, começa – claramente – com uma descrição delas. Em particular, em cada oficina, encontram-se três categorias diferentes de trabalhadores: operários de produção, operários de manutenção (cuja importância tinha sido subestimada no início, como admite o próprio Crozier) e chefes de oficina, cujos trabalhos são coordenados por quatro chefes de secção.

Começando pelas relações operários de produção/chefes de oficina, Crozier explica como estas estão baseadas sobre uma grande tolerância e até indiferença, sobretudo por parte operária, com o objectivo de negar qualquer importância a este papel (norma de grupo), com a única excepção quando se fala do próprio chefe de ateliê: aqui torna-se importante o lado afectivo da questão (como já foi sublinhado antes).

Relativamente às relações dos operários de produção com os de manutenção, existe um elevado clima de tensão, devido à situação de dependência, que torna mais favorecidos os operários de manutenção, pelo facto de eles terem a possibilidade exclusiva de intervir em caso de não funcionamento das máquinas. O autor francês sublinha mais e mais vezes a importância desta situação, porque, em caso de avaria dos máquinas, o facto de os operários de manutenção serem os únicos capazes de intervir, torna-os numa posição privilegiada: eles conseguem controlar e gerir a incerteza nas dinâmicas do mundo da oficina. Nas relações deles com os operários de produção, é preciso analisar também noutro facto: no trabalho quotidiano cada operário de produção é controlado por um de manutenção e isto faz com que a relação entre os dois seja ainda mais próxima (Crozier refere, porém, como as avaliações do “próprio” operário de manutenção sejam bem melhores das sobre a categoria em geral de operários: mais uma vez uma regra auto-imposta pelo grupo). Finalmente, o que se pode dizer, é que nos operários de produção permanece uma sensação de dependência face os operários de manutenção, apesar de esta não existir na forma dos papéis estabelecidos pela empresa, que os põe em perfeita igualdade.

O contrário acontece, em vez, quando vamos analisar as relações chefia/operários de manutenção: a teoricamente estabelecida relação de subordinação desaparece na prática, sendo a relação entre eles caracterizada por uma perfeita igualdade, que deixa os chefes pouco contentes.

Após ter analisado as relações entre os diferentes actores, Crozier passa sistematizar os conhecimentos adquiridos, procurando definir os comportamentos típicos de cada categoria.

Em primeiro lugar analisa os operários de produção. Ele vê como os comportamentos deles parecem marcados por um modelo estável e coerente que se impõe a todos os membros da categoria desde logo na sua vida profissional[4]: importância do regulamento de antiguidade, oposição à mecanização da oficina, oposição aos objectivos da direcção (e, numa certa medida, aos da organização mesma). Em geral, os mais antigos são os mais satisfeitos com a situação, uma vez que durante o tempo conseguiram conquistar muitos privilégios, que procuram defender através uma forte intransigência aparente. O problema mais importante é o das interrupções do trabalho, alturas em que eles ficam (como vimos) em situação de dependência face os operários de manutenção, que faz com que eles tenham ainda mais reivindicações para a chefia, responsável oficial da estrutura destas relações.

Sucessivamente, passa-se analisar o comportamento dos operários de manutenção. A uma primeira vista de olhos eles parecem ter a mesma maneira de adaptação dos operários de produção. Mas em realidade, eles são muito mais orgulhosos do seu trabalho, da sua qualificação, menos preocupados com os problemas da mecanização e com o respeito dos regulamentos de antiguidade. Em fim, também eles têm um forte espírito de grupo (que os leva a dar respostas frequentemente iguais entre eles) e vontade de defender os seus privilégios.

Finalmente, a vez dos chefes de oficina. Características deles são: menor agressividade, maior pessimismo e falta de coesão. Eles rejeitam completamente o princípio de antiguidade: é mesmo isso que os deixa sem poder nenhum. Eles sofrem também pelo papel adquirido, de facto, pelos operários de manutenção: assim, acabam por portar-se mais como subordinados que como mandatários, ficando muito frustrados.

Em fim, tendo todos os dados relativos à forma de se portar dos actores organizacionais, Crozier vai analisar o sistema de relações de poder internas à oficina, começando explicando a necessidade duma tal análise, bem mais completa das tipicamente psicológicas das “Relações Humanas”[5]. Chegamos assim na parte talvez mais importante do capítulo, em que o autor explica as suas posições teóricas sobre a burocracia como um sistema de regras impessoais que, porém, levam a consequências desesperadas, que deixam alguns actores sempre na possibilidade de agir com margens de discricionariedade e arbitrariedade. Dentro dum sistema assim impessoal de normas e relações Crozier sublinha que existe apenas um elemento que possa pôr em discussão este sistema todo, ou seja, a avaria duma máquina. Num caso destes originam-se relações bem novas, em que os operários de manutenção ganham poder e influência, vista a completa incerteza que reina no domínio técnico e que apenas eles conseguem controlar. O sociólogo francês chama atenção, porém, ao facto deste poder não ser legitimado: isto faz com que os responsáveis da manutenção não se sintam seguros e assim vem explicada a sua agressividade e a sua necessidade de reforçar a solidariedade de grupo.

Concretamente Crozier vê o mundo da oficina como um sistema em que:

- os regulamentos estritos e impessoais deixam sem poder substancial os chefes;

- cada categoria profissional tornou-se uma casta;

- os julgamentos pessoais são feitos de acordo com um princípio de afectividade e não mais instrumental;

- a mudança é bem difícil, causa o reconhecimento duma autoridade apenas adiministrativo-judiciária;

- as relações de poder desenvolvem-se em torno das faltas no sistema de regulação (isto é, em caso de avaria das máquinas).

As relações de poder no grupo da direcção. Como já foi referido, a nível de fábrica a equipa de direcção é formada por um director, um director-adjunto, um engenheiro técnico e um controlador.

O director é um homem muito convencido das suas capacidades e com muita liberdade de acção fora da fábrica (alguns são professores para-universitários, outros são especialistas, etc.). Pelo contrário, no interior, o seu campo de acção é bastante limitado e as únicas pessoas que dependem directamente dele são os chefes de oficina.

O director adjunto é um homem geralmente mais novo do director que muitas vezes acaba por ficar no Monopólio apenas uns anos, antes de se ir embora.

O controlador é, pelo contrário, bastante velho, foi promovido ao seu grau actual só depois duma longa espera e tem muitas responsabilidades.

Em fim, o engenheiro técnico, o único do seu campo a nível de fábrica, tem uma profissão difícil mas interessante e é responsável pela manutenção das instalações.

Ora, apesar das relações entre os quatro serem estabelecidas por regulamentos bem detalhados, permanece uma margem de ambiguidade; por exemplo, o director tinha que reunir os seus colaboradores em conselho no mínimo uma vez por semana, mas muitas vezes isto não acontece; mais, o controlador é sob as ordens do director, mas – sublinha Crozier – sendo responsável por todas as decisões financeiras, tem que contra-assinar todos os actos dele e, pois, pode em princípio opor-se-lhe, mesmo que na prática isto não aconteça. Às vezes, depois, uns conflitos podem surgir entre o director adjunto e o engenheiro técnico, por causa das suas funções que os leva a colaborar mas, na mesma altura, os põem em conflito.

O que sublinha o estudioso francês é que o grupo de direcção é um grupo bem delimitado, isolado do resto da fábrica, pois estes quatro actores têm que “jogar juntos”, mas tendo “cartas diferentes” [6] e, por isso, diferentes chances de ganhar neste jogo de poder.

Passando analisar os vários tipos de conflitos que podem surgir entre os dirigentes, Crozier releva que mais frequentes são os entre o engenheiro técnico e o director adjunto, apesar deste último ser mais envolvido nos conflitos com o director. Pois, estes têm a ver com uma mudança geracional (o “novo” adjunto contra o “velho director), são originados por problemas de repartição de responsabilidades e frequentemente – são sobre assuntos relativos à fabricação, competência do adjunto e, ao mesmo tempo, parte mais importante e difícil da vida de fábrica.

Por sua vez, o director pode entrar em conflito com o controlador, frequentemente frustrado pelo facto de não ter oportunidades de promoção e, também, pelo facto (já referido) de não conseguir exercer na prática o poder teórico de controlo e, hipoteticamente, de oposição as decisões do director afectantes a dimensão financeira.

Daqui, movendo da análise dos conflitos, Crozier analisa os diferentes pontos de vista dos actores envolvidos. Os directores adjuntos, por começar, têm como primeira preocupação a de afirmar a submissão face a eles dos engenheiros técnicos, que, por sua vez, apesar de parecer menos agressivos, estão muito preocupados e frustrados com o facto de os adjuntos exercerem um monopólio sobre os lugares de direcção, por eles achada como uma conspiração.

Finalmente, os directores. Eles têm muitos benefícios com a existência dos adjuntos, que são como um tampão entre eles e o resto da fábrica. Apreciam o trabalho deles, mas admitem que muitas vezes parecem frustrados e infelizes (pelas razões que antes explicámos) e isto torna pior o clima de trabalho em geral.

Mas, afinal quais são as regras do jogo? Crozier insiste sobre a situação de privilégios derivada do controle do único factor de incerteza na fábrica (o funcionamento e a manutenção das máquinas) que, se a nível de oficina trazia vantagens para os operários de manutenção, a nível de direcção põe num lugar privilegiado os engenheiros técnicos. Eles, apesar de serem submetidos aos directores adjuntos (com a relativa frustração que a situação leva), têm o controle directo dos factores mais relevantes da vida de oficina, também têm conhecimentos técnicos exclusivos tais como o de fugir a qualquer tentativa de controle pelos adjuntos (que nem têm, ao contrário dos técnicos, um grupo sólido e confiante no interior da oficina).

Vendo como as relações de poder não oficial se situam basicamente no eixo adjuntos-técnicos, Crozier explica como o comportamento mais natural a esperar será uma diplomacia recíproca com o objectivo, do ponto de vista dos adjuntos, de os técnicos aprovarem as propostas de mudanças organizacional que eventualmente apresentarem e, do ponto de vista dos técnicos, de fugir quanto mais possível àquela relação de dependência formal que os regulamentos prevêem.

Visto o que está em jogo, o autor passa analisar os modelos de comportamento próprios a cada categoria e o seu relativo estilo de adaptação.

Começando pelos engenheiros técnicos, eles provam muito amor pela profissão deles, têm uma atitude paternalista e ao mesmo tempo autoritária com os seus submetidos enquanto mostram-se agressivos com os seus superiores e precisam de se adaptar bem às regras do jogo para não ficarem excluídos da luta para o poder: eles têm que aproveitar a situação de controlo das margens de incerteza que o seu papel lhe confere.

Os directores, por sua vez, não precisam de ter uns comportamentos e não outros para afirmar o seu poder (reconhecido-lhes pela estrutura empresarial). O que lhes é pedido é de desenrolar bem um papel de administrador e juiz, se bem que não possam esquecer de liderar uma empresa e, pois, devam levar a frente o desenvolvimento e a eficácia dela. Visto o seu papel “marginal” (marginal relativamente ao que podia ser de acordo com a letra dos regulamentos) Crozier acha muito difícil encontrar directores contentes e satisfeitos com o seu trabalho. Será mais provável, na sua ideia, encontrar directores que procuram esconder a realidade a si mesmo, achando-se responsável por tudo o que se passa na empresa, ou, ao contrário, directores super-pessimistas que exageram as suas frustrações e os seus problemas. Mais dificilmente encontrar-se-á um tipo intermédio, embora o próprio sociólogo francês o ache possível.

Quanto aos directores adjuntos, eles parecem mais capazes de aceitar a sua situação. O enjeu deles é bem menor e não são envolvidos como os directores ou os engenheiros técnicos. Alguns problemas podem surgir nos primeiros dois anos de actividade no Monopólio, depois, explica Crozier, eles vão compreender as regras do jogo, perdendo interesse para o papel de chefe das tripulações. A única luta que os pode estimular será aquela contra os técnicos, achando aquela contra as regras burocráticas impossível a ganhar. A adaptação deles mudará apenas na altura em que eles deixarão de ser adjuntos e tornar-se-ão directores.

O sentido do conflito num sistema de organização burocrático. Chegámos assim ao fim deste capítulo de análise do Monopólio industrial. Na sua conclusão Crozier não deixa de sublinhar a importância que têm as noções de governança e poder para compreendermos as relações entre indivíduos e grupos dentro duma organização”[7]. Mais, ele chama atenção pelo facto destes conflitos se desenvolverem mesmo no interno duma organização em que, através destes comportamentos, não é possível ganhar promoções nem benefícios materiais. Deve-se considerar também, na sua visão, que os conflitos são sempre regulados pela regra da “interdependência dos privilégios”, ou seja, ninguém pode desafiar o grupo até pôr em risco a sobrevivência mesma dos seus privilégios e da organização no complexo e, mais, que estes conflitos são encontraveis em todas as organizações administradas segundo os princípios burocráticos. Isto é, de acordo com o princípio de igualdade, o hierárquico (só aparentemente, Crozier diz, em contraposição ao primeiro, reservando-se de ser mais claro mais à frente) e com o princípio de impessoalidade das regras e dos procedimentos, com o fim último de “eliminar qualquer forma de intervenção humana na estrutura da organização[8].

Apreciação:

Como já dissemos na parte das impressões a quente, foi uma leitura muito importante e de que gostámos, apesar da forma às vezes complicada, devida – para nós – ao facto de ser o primeiro passo duma nova teoria.

Relativamente aos dois capítulos analisados, mas – também – ao livro em geral, o que nos parece desde já muito importante é a grande abundância de pormenores e a riqueza da descrição que (embora tenham complicado um pouco a parte descritiva) acabaram por tornar mais simples a compreensão da parte mesmo teórica.

Nesta última, o que merece atenção em primeiro lugar, como já sublinhámos, é o enfoque na questão “poder” (designadamente, com uma concepção pluralista do mesmo) a nível organizacional, mas não mais (como na óptica weberiana) poder como autoridade formal, mas poder como “controlo das margens de incerteza”.

Mais, o facto de ter recuperado do próprio Weber o conceito-chave de burocracia como forma "natural" da organização moderna, pondo em destaque os bloqueios que nela podem surgir e, pois, a impossibilidade da sua adaptação ambiental e da sua mudança. Particularmente, no caso do Monopólio, isto fica claro pelas seguintes características do sistema de trabalho:

- a produção é independente das lógicas do mercado;

- garantia de manutenção do lugar de trabalho para toda a vida;

- garantia de respeito e superioridade do princípio de antiguidade[9].

Em terceiro lugar, e isto, por ser verdade, via-se bem já nos capítulos por nós analisados, sobretudo no da Agência contabilista, a importância dos modelos culturais nacionais: isto é, o facto que uma organização “sofre” influências ambientais e, pois, funcionará duma forma o de outra dependendo, também, da cultura do país.

Muito em síntese, o que acha Crozier é o facto da burocracia ser hoje em dia central, de ser um sistema incapaz de se corrigir, em que quem detém o poder formal quase nunca consegue utilizá-lo (prisioneiro das regras e das fórmulas previsíveis) e em que assim o poder real vai ficar em quem controla as margens da incerteza organizacional.

Finalmente, não podemos deixar de sublinhar como as teorizações crozerianas tenham influenciado muitas administrações públicas em mudar, dando mais liberdade aos dirigentes e, assim, tentando evitar os bloqueios vistos na Agência e no Monopólio. Demonstração, mais uma vez, da perspicácia do autor francês e do interesse prático das suas teorias.

Bibliografia:

Michel Crozier, Le phénomène bureaucratique, Paris, Editions du Seuil,1963.

Giuseppe Bonazzi, Storia del pensiero organizzativo, Milano, FrancoAngeli, 2007.

Michel Crozier e Erhard Friedberg, L’acteur et le système, Paris, Editions du Seuil, 1977.


Autores:

Federico Alagna – E2591 (Monopólio Industrial)

Filippo Urbinati – E2592 (Agência Contabilista).



[1] Cfr.: Giuseppe Bonazzi, Storia del pensiero organizzativo, Milano, FrancoAngeli, 2007, p. 143

[2] Veja-se, p.e., Michel Crozier e Erhard Friedberg, L’acteur et le système, Paris, Editions du Seuil, 1977

[3] Michel Crozier, Le phénomène bureaucratique, Paris, Editions du Seuil,1963, p.68

[4] Michel Crozier, op. cit., p.119

[5]Michel Crozier, op.cit., p..128

[6] Michel Crozier, op.cit., p.142

[7] Michel Crozier, op.cit., p.170

[8] Michel Crozier, op.cit., p.173

[9] Cfr.: Michel Crozier, op.cit., cap. 3 e 4

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